quarta-feira, 28 de outubro de 2009

No quarto quente,
São lençóis frios
O pensamento e a gente,
Que sente,
No escuro quente,
A melodia ardente,
Dos pingos frios.
Ao raiar da aurora,
Que o tempo em tempo
Explora, é
Belo o sonho sonhado,
O frio arrancado
Ao pensamento e à gente,
Que sente,
A luz quente
Na manhã fria.
Fora, pisando a areia
A figura cansada,
O rosto rasgado
Sente, e sorri
À melodia ardente
D’um chilrear pegado.
E caminha em frente,
Torna-se crente
No pensamento da gente,
Que sente
A luz quente
Na manhã fria.



Joaquim Marques

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Livro IV Poema 12

Recordo-me do dia, em que calmamente bebia
seis garrafas de cevada fermentada
nos princípios das noites que o pensar trazia
tardes tardias como alvoradas passadas, presentes nos meus dias.

Recordo-me que nos momentos de ebulição
das experiências trabalhadas sobre a vontade de me conhecer
tardia a tarde, numa chama que ténue ardia
e a cevada escorria goela abaixo, anestesia local, desnecessária
era eu, o que na altura nem me sabia, disposto a pensar do que seria
a palavra em mim, reencontro com futuros de passados revisitados.

Tanto tempo após, tanta letra que compus a sós
já não penso com a ajuda da dita, a cevada fermentada na escrita
já nem sei às vezes, ou à mais da vezes, saberei que jorrar
letras de dentro, sem nada que entre para ocupar a parte vomitada
em quadras, letras em frases sobrepostas, que ao saírem mal postas
confundem-me mais que me fundem, e zango-me com a falta de jeito
deste peito, o meu, dos vários que um dia Deus me deu
dados, desnecessariamente fados cantados de prantos passados.

Há poetas, escritores, gentes iluminadas, pensadores com muita estrada
gente que admiro pela facilidade da expressão do que aos outros encontra razão
de traduzir no sentir das interpretações, os motivos que a vida citada lhes dá sem dar nada
aos que lêem, dos que gostam de o fazer, de ler o que não sabem escrever
desses seres, que sendo muitos, tão pouco representam.

Velhas garrafas de cevada, bebidas em tardes pegadas
naquelas esplanadas da Angra que me consolidou
um marinheiro de águas calmas construtor de veleiros no meio do deserto
contendo a raiva que de mim sinto, quando escrevo o que penso que sinto
sem saber porque sinto o que que escrevo quando não sei ser humilde.

Se bebesse a cevada fermentada que já não existe, será que seria o mesmo triste
o mesmo homem que em mim existe, fechado, calado, taciturno e descente?
Ser quem sou, sem ter sido o que fui, não seria a personalidade ausente
das coisas simples, das coisas belas e fáceis, que me rodeiam e desprezo.
Contraditório, não me mereço, lutei tanto por ter um endereço
recebi imensas cartas, todas imaginadas, e não cuidei de abrir os sobrescritos
que, amontoados, sustentam a mesa do meu bem estar.

Joaquim Marques AC