quarta-feira, 30 de julho de 2008

Livro III Poema 57

Conversa de vai e vem
serão insone, vazio de sentimentos
recostado, meio cá meio lá
as pernas cruzadas em cima da mesa, descansadas
ausência mundana para completar aquele momento
sugeriste-me um copo de vinho
contrapus outro elixir
mas, lúcido, a insónia despertou
o sentido da tua presença singela
e preferi bebericar das tuas palavras
depois deixei florir as papoilas
nas pampas argentinas do meu peito
onde construí uma ciclovia
para me embalares ao ritmo das palavras ditas.


Joaquim Marques

terça-feira, 29 de julho de 2008

Livro III Poema 56

Duvido sempre das dúvidas
são pesos adulterados
equilíbrio instável contrabalançado
às certezas adquiridas
e estas sempre que são medidas
pesadas e balanceadas num contraponto comercial
que usa a dúvida como medida
insere-se na vontade da certeza que resulta incerta.
Fiz assim a descoberta, na essência do seu significado:
descobrir é olhar e ver o existir
das certezas existentes e do seu provir.

Joaquim Marques

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Livro III Poema 55

É pó
descobre-me
limpa-me com um sopro
forte.
Isso não, não sai assim
é uma nódoa no coração
só sai com sorte
com limão
às rodelas finas
lava-me agora, põe-me de molho:
ser filho, pai, amante, e ter-vos tão distante
deixou-me cheio de pó.


Joaquim Marques

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Livro III Poema 54

queres
amar, beijar, acariciar
pela vida fora, hora a hora, a começar agora
sem razão, compensação, explicação
nenhuma, em suma:
só dar, dando, a dádiva dada pela alma amada
amada no corpo e alma, com calma...
sem pressas nem feito às pressas
pela vida fora, a começar agora, já
queres?!



Joaquim Marques

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Livro III Poema 53

Triste, trago e verto trombas de água
no olhar manso que adivinha
o percurso do passo que caminha
errante.

Temporal, ar frio sopra do fole à frágua
fervilham lágrimas secas, dobradas esquinas
para te ter sem ser, como te tenho sem ter
ecos, becos, impasses, contrastes
constantes.

Avisos, avisados, repetidos passados
circunstancias, cores de mel, provas de fel
sabores, emoções e temores de marés
vazantes.

Pura, água que agua esta nascente fervente
faz bem à saúde, fortifica a mente
lágrima com propriedade medicinal
tratamento lento, doença estival
pensante.


Joaquim Marques

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Livro III Poema 52

A minha vida é uma caixa de surpresas
cada dia, cada semana, é um mistério
a surpresa é constante,
mas o teu carinho doce
como se de uma ameixa madura se tratasse
não cai no chão da minha indiferença
pelo contrário, aduba a minha essência
de onde lanço raízes para sorver o líquido da esperança
na humidade do teu beijo.


Joaquim Marques

terça-feira, 22 de julho de 2008

Livro III Poema 51

Sou feito de silêncio que troveja
escute-me, mesmo que só o relâmpago veja
quanto maior o clarão, maior o trovão
mais tempo o silêncio ao redor de mim adeja.


Joaquim Marques

domingo, 20 de julho de 2008

Livro III Poema 50

Conta quem aos mortos ouviu a descrição,
que a passagem se dá por um túnel vazio
com uma ténue luz ao fundo, que a passagem alumia.
Terão os vivos morrido como eu vivo a morte neste dia?
Sendo este tempo, o tempo igual ao da salvação,
sendo que a morte não é mais que uma encenação,
serei um vivo esquecido pelo transporte encomendado,
vivendo aqui o que viveria já no outro lado,
uma transição, uma espera, um estágio,
num vazio de tudo, numa enxurrada de breu, um plágio.

Entretenho-me a dar esperanças ao relvado,
se a Câmara Municipal não baixar a tarifa da água,
há sempre o recurso às chuvas outonais, a morte não é um fado,
e digo isto alto, para me fazer ouvir pela frágua
que em mim arde e forja o fio da lâmina do pensamento.

Anseio tanto que escureça para ter como companhia
a luz intensa do poste da rua, e mais a luz da Lua
ambas, e eu, e o relvado ressequido, morto sem ter morrido,
faremos da festa da anunciação a esperança da ressurreição,
o meu olhar cruzando o teu, os dois clareando a escuridão.


Joaquim Marques

sábado, 12 de julho de 2008

Livro III Poema 49

Da história dos dias que passam
sucessivos e indiferentes
à crença que se forma nas mentes
tiro uma única lição:
o meu tempo não se rege pelo tempo
nem os dias que se mascaram em noites de escuridão
fazem dessa parte do tempo
o tempo da minha expiação.


Joaquim Marques

domingo, 6 de julho de 2008

Livro III Poema 48

Desta praia deserta parto à descoberta
do mar profundo onde naufragou o pensamento
quero-te resgatado, salvo e guardado
na cabana onde me abrigo
vozes que não ouço, serenidade excedente,
passa por mim o tempo arrastado pela da corrente
olho o mar, olho para lá do naufragar
algo nos une, sei que une, é uma pequena bolha de ar
deixei-ta enquanto pensava que pensar é navegar
ir além do meu sonhar, ir para lá de onde termina o mar
diz-me pensamento, enquanto bóias, é a esta praia que vais dar?


Joaquim Marques

sábado, 5 de julho de 2008

Retrato

Um olhar múltiplo, nesse teu rosto descrente:
brando e possante, ausente e consistente,
não estás aí, mas já estiveste
aguardas sem interesse como se a vida te parecesse
um presente desapaixonado
de quem quer, sem querer, que o passado regresse.


Joaquim Marques

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Livro III Poema 47

Se eu fosse um cacto,
saudável,
erecto,
seria um ser vivo predilecto,
dispensaria o teu cuidado amável,
mas não sou, de facto.


Joaquim Marques

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Livro III Poema 46

Calcula tu, a visão de mim ali pendurado
terrível, esta visão do corpo enforcado
calcula o arrepio de sentir assim o corpo frio
calcula tão somente, é exercício cerebral, nada mais para além disso
imagina, como me imagino, nas conversas silenciosas com o absurdo
à falta de melhor interlocutor, converso com o meu interior
e este trasbordante de calor, arrepia
é assim que no absurdo do verão sinto frio, falta-me acção
hiberno nesta toca aguardando pelo calor da tua contestação:
mente fértil, cataratas que me tolhem a visão, aparências:
já me vieram desenforcar, a mulher a dias só fez reclamar:
tanto lixo produzido numa encenação irreal!
ó senhor Joaquim, se o meu filho quiser ser poeta dou-lhe uma sova!
Calcula tu, querem que eu seja sempre uma pessoa normal!


Joaquim Marques

terça-feira, 1 de julho de 2008

Livro III Poema 45

Guia devagar
agarra-te à guia se a coisa balançar
atenta às explicações da guia após chegar
e desfruta do farol da Guia até onde a vista alcançar
mas não te deixes só pela intuição guiar
guia devagar, até à Guia chegar, seguindo o rumo que a guia for dar.
Você entendeu? Percebeu de que guia eu estive a falar?
Então pegue nas chaves do velhinho Ford Guia e vá lá desfrutar
do acordo ortográfico que a guia brasileira irá te explicar
não entendeste? Estou a explicar-te, porra!
O Papa decretou que Deus é brasileiro
agora é Deus que lhe guia o que antes Ele fazia ao guiar-te.



Joaquim Marques