quarta-feira, 30 de abril de 2008

Impressões II

Divorciada,
Jovem, pensas tu
Livraste-te do fardo do matrimónio
Carregas a esperança de há vinte anos
Mas o tempo não volta atrás
Por isso conforma-te e deixa-me em paz!

Joaquim Marques

Impressões I

És feia
Do mais feio que tenho visto
E pobrezinha
Do mais indigente que existe
Apesar da indumentária luxuosa
Das pernas e busto bem feitos
Do olhar sedutor e atrevido
Dos lábios sensuais e sorriso fácil
Nem uma ruga, tudo no seu lugar
Pele sedosa, branqueada
Como a folha de papel branco
Que comprei para te descrever
Se em vez de cérebro, tivesses um disco rígido
Formatava-te.

Joaquim Marques

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Livro III Poema 24

Fumo agora o meu último cigarro
Despeço-me dele sereno, tranquilo
Quero que um dia os meus trinetos saibam
Que foi assim que aconteceu
Nessa altura já nem deve haver cigarros
Mas hoje ainda se consegue comprar
E esta tranquilidade, este fumaricar sereno é especial
São nuvens que se esfumam à minha frente
É a neblina a levantar do Tejo
É o teu rosto lá longe que só sei imaginar
É pensar nos teus lábios que agora me faz fumar devagar
Tão devagar como o ultimo beijo que te darei
Faço sempre assim antes de repetir tudo de novo.


Joaquim Marques
Era noite,
Noite de luar
No meu quarto escuro,
Lá no fundo
No escuro infinito
Acontecia um julgamento.
Dois réus
Um só crime.
A sentença foi lida.
Um raio de luz penetrou e queimou!
Impune sociedade
Fui obrigado a intervir…
E terminei:
Errar é próprio do Homem!
Brotaram lágrimas
Soaram aplausos.
Era noite,
Noite de luar.
Adormeci.

Viseu, 1977

Joaquim Marques

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Livro III Poema 23

Pedra, pedrinha
Grão de areia fina,
Que antes de seres cantado pela menina
Foste um pedregulho
Fizeste parte do entulho
Que a jusante jogaram ao rio
Perto da pedreira onde nasceste
E te fizeste rocha a céu aberto
Antes lençol de lava coberto pelo manto terrestre
Expelido pelo vulcão agreste
Que te vomitou e deixou arrefecer
Conserva em ti a vontade de voar
Para os brincos de cristal que vou ofertar
À menina que te quis cantar.

Joaquim Marques

sábado, 19 de abril de 2008

Li














Árvore velha Foto Mia Friedrich


Não receies, não tenhas medo
Porque o receio e o medo já existem nele
Essas árvores outrora frondosas, agora gigantes sem copa
Servem de ninho aos pica-paus porque estão ocas
E tu, florido arbusto, que tiveste a coragem de crescer ao seu lado
Tem agora o discernimento de não ter receio do vento
A ti, a tempestade humedece-te as raízes que te fortalecem
A ele apodrece-lhe o tronco
Deixa que venha a tempestade, enfrenta-a, precisas dela para crescer.


Joaquim Marques

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Tardio

Tenho a idade que não queria
Vivo fora de época
Apareci depois do tempo próprio
Sou fruto serôdio
Já nasci tarde
Já tinham passado dez meses e catorze dias
Já o ano tinha parido tantos eventos
Já a década estava no fim.

Joaquim Marques

Boa Noite

Céu nublado, noite escura
Meia taça de tinto de Silgueiros
Imobiliária procura
Quintas, Palacetes, arvoredos e loureiros
Vou de viagem para Vale de Lençóis.

Joaquim Marques

domingo, 13 de abril de 2008

Livro III Poema 22

Da minha janela vejo o meu jardim
e o jardim do vizinho
e as roupas estendidas da vizinha
e uns telhados mais à frente
e um mar azul lá ao fundo
e a costa.
Mas à noite só vejo o escuro
e as luzes acesas
e o farol do Cabo Espichel.
Vejo mais longe de noite que de dia
talvez seja por estar habituado a fechar os olhos
e a contar as sardas finas que tens no rosto
e as vezes que as beijei
até te sinto o cheiro perfumado
e até o almiscarado
que me ficava nos dedos atrevidos.
É tão real a luz do farol do Cabo Espichel
como a luz que irradia dos teus olhos na minha imaginação.
Amanhã, de dia, não verei o farol
mas espero, como ontem e hoje
ver o teu sol iluminar-me a vida.

Joaquim Marques

sábado, 12 de abril de 2008

Saudade do X

As minhas mãos frias
Já não sabem redigir
Aprenderam a arte de teclar:
Tic, toc, toc, bold, centrar,
Enter, guardar
Delet, insert, copy past,
Pastas, arquivos, cancelar.

Quando eu tinha a minha ortografia
E desesperado com a inquietude duma manhã fria
E escrevia, escrevia
E parava e relia
Tinha um imenso prazer:
Pôr um risco, um imenso xis
Em cima de escritos como este.

Joaquim Marques
(corrigiu-me uma professora de Inglês: delet escreve-se delete; past escreve-se paste! Ai que saudades eu tenho do XIS bold)

Sim

Sim senhor fornecedor
Sim, será como entender
Sim, esteja descansado
Sim, sim, sim...
A partir de agora pago adiantado
Sim, estou-lhe grato, mas não obrigado,
A próxima encomenda virá já de outro lado.

Joaquim Marques

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Livro III Poema 21

Sou mortal e não queria

Estou a chegar ao fim
Já nem com óculos verei
O que inscreverem
Na pedra branca que tudo aceita.
E é tudo tão ruim:
Eu não ver,
A pedra assim,
E o que lá inscreverem sobre mim.
Mas quando acontecer
Se tiver mesmo que ser
Inscrevam na pedra assim:
MORREU CONTRARIADO
MAS ATÉ AO ÚLTIMO DIA
NÃO PERMANECEU CALADO
NÃO ERA SER MORTAL O QUE ELE QUERIA
Joaquim Marques

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Livro III Poema 20

Amor,
Amante,
Distante,
Sinto-te a dor
No fruto resultante
Daquele luar brilhante.
Este amor
Mulher, amante, distante,
E o fruto daí resultante
Não é biológico nem mutante
É um prado florido e verdejante
Atravessado por um rio calmo que a jusante
Encontrará o mar e continuará oceano adiante
Como um caminheiro se transforma em navegante
Ao encontro do esplendor
Que é o sorriso sempre constante
No brilho do teu olhar
Quando me dás os bons dias
Sem palavras ter que pronunciar.

Joaquim Marques

terça-feira, 8 de abril de 2008

Livro III Poema 19

Hoje
amanho
a manha
de amanhã
de manhã.


Joaquim Marques

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Temporal

Olha o temporal
Não vem fora de época,
Quem tem memória não leva a mal
Estamos em Abril
Já passou o Inverno e o Carnaval
Já se foi a Quaresma, agora é o tempo das águas mil.
Tivemos anos seguidos de seca
Chuvas no período estival
Invernos amenos com chuva ocasional.
Temos agora um ano normal
Ventos fortes, relâmpagos e trovões
Aguaceiros intensos em tempo primaveril
É o tempo de antigamente, conhecido dos aldeões:
O Abril das águas mil
O temporal que os antigos achavam normal.

Joaquim Marques

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Recado

Você não acredita em mim? Duvida da verdade que lhe contei? Duvida da prova material que lhe apresentei? Então porque é que tem medo? É receio ou impreparação? Se não gosta da sua profissão, vá embora!
Deixe-me a mim e à minha razão: a força que tenho vem da força da palavra, dos actos, da indignação, da verdade límpida, do meu trajecto nobre, do meu percurso erecto sem submissão, não me vergo perante a injustiça, só sucumbo à ideia do incumprimento da obrigação a que a palavra me vincula.
Vá embora, ou fique quieta aqui de lado. Vai assistir à narrativa de quem não tem medo e se orgulha do seu passado.
Joaquim Cruz

Livro III Poema 18

É a revolta que eu sinto
É a amargura pela desventura
É a vez de estar à altura
Da sorte verdadeira porque não minto.

É a lágrima que se forma no canto do olho
É a emoção contida, reprimida
Pela altivez da verdade
Que me acompanha de longe
É a vida de quem sabe que só conta consigo.

É revolta e determinação
É ânimo e compaixão
É ter-te perto do meu coração
É sentir a vida em solidão.

E só, rodeado de mim
Não deixarei até ao fim
Que me manchem a reputação.
Ai como preciso de quem me dê a mão!

Joaquim Marques